segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O que pensam os bioeticistas brasileiros?

Os sistemas de saúde refletem as condições socioeconômicas de um país. Assim, a ideologia e os valores éticos da sociedade constituem os elementos fundamentais que orientam a organização e a distribuição de recursos dos serviços de saúde.

“A Constituição Federal de 1988 contempla a saúde como direito social e dever do Estado, estruturando a área da saúde pública sob a égide do Sistema Único de Saúde (SUS)”1. Foi então substituído o sistema anterior, segundo o qual somente os trabalhadores formais tinham legalmente algum direito à assistência médica e hospitalar.

A atual Carta Constitucional estabeleceu o caráter universal vigente de acesso ao sistema de saúde. Além de determinar esse princípio, a Carta inseriu conjuntamente, no art. 198, II, o princípio da integralidade, que instituiu o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, mas sem que haja prejuízo dos serviços assistenciais.

O Estado tem, portanto, o papel de atender às necessidades caracterizadas como decorrentes de problemas de saúde pública e não simplesmente problemas de saúde individuais. Por exemplo, "problemas estéticos podem ser considerados como problemas de saúde individual, sobretudo para a esfera psíquica, mas não seriam considerados como de responsabilidade do coletivo, envolvendo recursos públicos"1.

Em um estudo realizado com professores universitários de bioética, foi analisado o posicionamento dos entrevistados quanto ao princípio da universalidade de acesso dos cidadãos brasileiros a um sistema público e quanto ao princípio da integralidade.

As seguintes perguntas foram feitas para os participantes, que eram atuantes no campo das ciências da saúde, com funções de diretores e ex-diretores da Sociedade Brasileira de Bioética e de diretorias regionais:



A) Supondo-se que no Brasil houvesse uma reforma constitucional como se posicionaria com relação ao princípio “Saúde é um direito de todos e um dever do Estado”?

B) Sabendo-se que não há recursos para serem contempladas todas as necessidades de saúde, quais devem ser priorizadas?

C) Algumas necessidades de saúde podem ou devem ser deixadas sem atendimento?



A análise das respostas revelou que a maioria dos entrevistados se posicionava a favor da manutenção da universalidade do sistema de serviços de saúde, porém a integralidade do atendimento foi tida como uma meta utópica que deveria ser restringida.

Aqueles que se posicionaram contra a universalização tiveram como argumento principal o amparo das camadas desfavorecidas, defendendo o direcionamento dos recursos exclusivamente para as pessoas que não tenham condições de arcar com os cuidados da saúde.

No entanto, essa discussão faz surgir maior controvérsia: excluindo-se as parcelas da sociedade com maior força de opinião e pressão sobre o sistema político-legislativo, o sistema ficaria mais vulnerável em obter recursos adequados em virtude da menor potencialidade de pressão social dos segmentos mais desfavorecidos? E quais seriam os critérios para essa discriminação: econômicos? Sociais? Demográficos? Epidemiológicos? Sanitários? Condições patológicas?

Com relação ao princípio da integralidade, mesmo aqueles que se posicionam a favor da sua manutenção apontam algumas restrições a serem feitas. Uma delas diz respeito aos tratamentos estéticos, de modo que o atendimento das necessidades básicas coletivas deveria ser priorizado frente aos individuais.

Todos esses questionamentos e o grande número de valores morais impõem dificuldades em decidir moralmente sobre o que seria um sistema de saúde justo. "Países com sistemas universalistas estruturados como Inglaterra, Canadá e Espanha restringem determinados cuidados ofertados a todos os cidadãos, tais como assistência farmacêutica e odontológica”1. Mas, como já foi mencionado, o sistema de saúde deve ser condizente com as condições do país. Cabe agora a reflexão acerca das necessidades da população e daquilo que pode ser feito pelo Estado brasileiro.



Referências:

1Bioeticistas brasileiros e os princípios da universalidade e da integralidade no SUS

http://www.scielo.br/pdf/rsp/v43n6/18.pdf

Nenhum comentário:

Postar um comentário