terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Autonomia: aplicabilidade nas decisões relativas ao fim da vida.

O Brasil está passando por uma transição no que se refere à questão da autonomia do paciente. Embora ainda não esteja consolidada, essa conquista do paciente lhe confere o controle das decisões sobre sua saúde e sua vida. Para isso, conta com a colaboração do profissional de saúde que, de soberano para tomar decisões clínicas, passa a exercer a função de conselheiro responsável pelo esclarecimento dos procedimentos e da situação.

Na atualidade, o debate bioético sobre a eutanásia se estende entre os princípios do respeito à autonomia individual e da sacralidade da vida. A eutanásia diz respeito à boa morte e envolve o alívio do sofrimento ao enfermo na fase sinal da vida. Levando em conta que a pessoa autônoma é “em princípio a mais qualificada para avaliar e decidir o rumo de sua vida, desde que possa ser considerada cognitiva e moralmente competente”1, o respeito à autonomia pressupõe que cada indivíduo tem o direito de decidir sobre sua vida da maneira que melhor lhe convier, optando ou não pela eutanásia no exaurir de suas forças, quando sua própria existência se tornar subjetivamente insuportável.

O caso mais famoso de batalha judicial pelo direito à eutanásia aconteceu na Flórida e durou oito anos. Terri Schiavo, de 41 anos, faleceu em uma casa de repouso, em abril de 2005, ao fim de duas semanas sem receber água e comida. Terri viveu 15 anos sobre uma cama, em estado vegetativo considerado irreversível, e sua eutanásia só foi autorizada depois de uma batalha judicial entre os pais Robert e Mary Schindler, que queriam mantê-la viva, e seu viúvo, Michael, que dizia que ela manifestara o desejo de não ser sustentada numa situação como aquela.

O posicionamento da Igreja Católica encontra-se na Declaração sobre a Eutanásia: “de fato, há quem fale de ‘direito à morte’, expressão que não designa o direito de se dar ou mandar provocar a morte como se quiser, mas o direito de morrer com toda a serenidade, na dignidade humana e cristã”4. Como observação do caso Terri Schiavo, nota-se que a sociedade tem tratado a questão como o direito à vida, não como um direito de morrer bem.


Outro aspecto discutido seria o fardo, tanto para a sociedade como para os familiares, causado pelo prolongamento de uma vida impossibilitada de continuar. Esse custo é representado, principalmente, pela superlotação de leitos nos hospitais e nos gastos públicos com remédios e tratamentos desses pacientes. Por outro lado, o parente que autoriza a eutanásia de um ente querido pode vir a sofrer um forte sentimento de culpa, o que faz desse fator, inerente das relações humanas, um complicador no momento de avaliar o custo de oportunidade.

Nas últimas décadas, com o advento das novas tecnologias da medicina, tornou-se ainda mais complexa a discussão sobre a eutanásia. Foram desenvolvidos aparelhos eletrônicos com maior capacidade de garantir longa sobrevida vegetativa aos doentes e de permitir que os sinais vitais sejam mantidos artificialmente durante muito tempo, mesmo em pacientes terminais. Assim, a manutenção da vida torna-se cada vez mais uma discussão que deve ser analisada caso a caso.

Permanece então o questionamento: é ético estender a vida, prolongando o sofrimento e a agonia? Outra questão moral significativa também surge neste contexto de vida em fase terminal: o que o paciente sabe ou deve saber sobre o seu diagnóstico e prognóstico? Essa pergunta já remete para uma questão básica que é a do exercício da autonomia nesse momento final. Só tem acesso à livre escolha de maneira adequada aquela pessoa que tiver pleno conhecimento sobre o próprio caso, sobre a sua doença. Para tanto, o acesso à verdade e o esclarecimento dos profissionais são essenciais.

Um grande número de estudos tem demonstrado que o conhecimento claro a respeito de seu estado é o melhor que o profissional da saúde pode oferecer, psicologicamente, para pacientes com estado grave. Geralmente, "as pessoas não só quando gozam de boa saúde, mas também, quando têm a sua saúde abalada, manifestam o desejo de serem informadas sobre seu estado, o que lhes têm permitido resolver muitos problemas pessoais e familiares, que necessitam ser solucionados antes do desenlace final"5.

No Código de Ética Médica atual, afirma-se textualmente que: “É vedado ao médico deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal” (CFM, 1996). É, portanto, imprescindível que o profissional tenha consciência da maneira de abordagem das informações, pois uma falta de esclarecimento ou a colocação do problema de forma inapropriada podem trazer como consequências situações de desequilíbrio emocional e mesmo de suicídio.

A eutanásia no Brasil é crime. Mas, segundo o advogado criminalista Luíz Flávio Borges D’Urso, “a eutanásia, embora sendo crime, é praticada impunemente no Brasil. Relatos de pessoas que aplicaram a eutanásia em parentes somam-se a relatos de médicos que a praticaram, sempre todos imbuídos do espírito da “piedade”3. Porém, ele acrescenta sua opinião, que “o que realmente leva à prática da eutanásia não é piedade ou a compaixão, mas sim o propósito mórbido e egoístico de poupar-se ao pungente drama da dor alheia. Somente os indivíduos sujeitos a estados de extrema angústia são capazes do golpe fatal eutanásico, pois o alívio que se busca não é o do enfermo, mas sim o próprio; que ficará livre do “fardo” que se encontra obrigado a carregar”3.

Ainda que seja um assunto polêmico, deve ser pensado e discutido, pois independente do quadro do doente, há decisões importantes a serem feitas antes do óbito, incluindo, quando possível, a escolha da morte de maneira mais digna e com o respeito.

Referências:
1A eutanásia e os paradoxos da autonomia
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232008000100025&script=sci_arttext

2Ética e eutanásia
http://www.jvascbr.com.br/03-02-03/simposio/03-02-03-278.pdf

3A EUTANÁSIA NO DIREITO BRASILEIRO
http://www.oabsp.org.br/palavra_presidente/2005/81/

4Autonomia: viver a própria vida e morrer a própria morte
http://www.scielo.br/pdf/csp/v22n8/24.pdf

5O DIREITO À VERDADE AO DOENTE, Revista Brasileira de Bioética; 1 (1): 75-79, 2005


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