sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Atendimento integral da saúde: transexualidade

A Política Nacional do Idoso, de 1994, estabelece que é idosa toda pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. Temos, no Brasil, cerca de 19 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, o que corresponde a 10,2% do total da nossa população. Diante do crescimento total do país, constatou-se que o segmento populacional de 75 anos ou mais teve ritmo mais acentuado, provavelmente em decorrência dos avanços da medicina. O fenômeno da longevidade é cada vez mais relevante e demanda atenção especial não só do Estado, como da sociedade e, principalmente, das famílias.

Entretanto, se existem dados que permitem mensurar o contingente de pessoas envelhecendo no país, o mesmo não acontece em relação ao número de transexuais. Não existem dados oficiais sobre essa parcela da população, nem é possível fazer inferências a partir dos dados disponibilizados pelo IBGE. Colabora para essa ausência de informações o fato de as estimativas em relação a essas populações oscilarem “devido à antiguidade das práticas clandestinas e da vontade da imensa maioria dos (as) operados (as) de desaparecer no anonimato, uma vez modificado seu estado civil”.

Essa circunstância torna imprescindível a reflexão sobre a relação entre a existência da pessoa transexual idosa e o aparato estatal e social que acaba por anular sua existência, ao invés de ampará-la em suas necessidades de saúde, como requer a própria Constituição de 1988. A discussão desse tema traz à tona a necessidade de assegurar os direitos das pessoas transexuais, que, cotidianamente, experimentam conflitos resultantes da tensão entre identidade corporal e identidade de gênero.

O Estatuto do Idoso, promulgado em 2003, não contempla especificamente qualquer menção à sexualidade, muito menos às particularidades da transexualidade. A inexistência de políticas públicas e de medidas específicas para a (trans)sexualidade da pessoa idosa acaba colaborando, significativamente, para reforçar a exclusão das pessoas transexuais.

A população transexual é constituída pelos que utilizaram diferentes recursos da biotecnociência para buscar qualidade de vida, bem-estar físico e psicológico, como a cirurgia de redesignação sexual (CRS), o uso de hormônios e o implante de silicone, assim como por aqueles que não se submeteram a esses recursos “radicais”.

Estudo realizado em 2004 na New York University School of Medicine sobre a habilidade de estudantes de Medicina em tratar de pacientes de orientação gay, lésbica, bissexual, e transexual, revelou que essas populações apresentam desconforto quando atendidas por médicos insensíveis às questões que podem afetá-las, bem como demonstram a pouca familiaridade desses profissionais com temas de saúde específicos desses grupos. Disto resultam as grandes dificuldades que enfrentam para receber o cuidado apropriado às suas necessidades.

A Gay & Lesbian Medical Association oferece uma relação de dez tópicos que devem ser ponderados pela população transexual quando procurarem cuidados médicos. Dentre eles, pode-se aludir a maior sujeição a determinados tipos de câncer, seja de mama, de próstata, de fígado, no aparelho reprodutor – para transexuais masculinos ou femininos que não removeram seus órgãos devido à terapia hormonal, entre outros procedimentos e, estão igualmente sujeitos aos problemas cardiovasculares e de diabetes. O documento revela que pessoas transexuais sentem-se pouco à vontade para relatar aos médicos o seu histórico de saúde e, em especial, para tratar das informações relativas ao processo de transexualização.

O recente reconhecimento por parte do Ministério da Saúde (MS) quanto à necessidade de elaboração de políticas públicas voltadas para a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), na área de saúde pública, aponta para a visão ampliada e integral da saúde, tal como instituída pela Constituição e pelas Diretrizes do SUS.

O Estado brasileiro tenta responder à problemática da transexualidade a partir do citado documento Saúde da População de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, que recomenda em suas Estratégias de Gestão e de Ação :

i) Fortalecer a atenção básica ampliando e garantindo o acesso à população GLBT, promovendo a integralidade e a equidade da atenção integral à saúde;

ii) Qualificar a atenção básica no cuidado aos idosos GLBT, dando continuidade ao processo de implantação e implementação da Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa e a atenção domiciliar humanizada ao idoso GLBT.

As políticas públicas devem contemplar as especificidades que a população transexual e idosa requer, de modo a tratar dos seus diferentes e diversos problemas de saúde. Equipes de saúde precisam ser treinadas para atender a esta população e, para isso, campanhas contra o preconceito e a estigmatização também devem ser implementadas. Mais que isso, todos devem sentir e compreender que as diferenças fazem parte do mundo e deve haver propósito em cada um de vencer cotidianamente seus preconceitos para que não afetem a saúde e a dignidade de quem optou por enfrentar não viver do mesmo modo que a maioria.


Referências:

Guimarães, Anibal; Schramm, Fermin Roland. Revista Brasileira de Bioética. A Bioética da Proteção e o envelhecimento da população Transexual. 2008;4(1-2):80-9687

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Atenção à Saúde de PNE

De acordo com Decreto nº 3.956/01, em seu Art. 1º:“Deficiência significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social.”
O conceito legal traz uma primeira reflexão acerca da visão sobre a deficiência - a limitação ou dificuldade sentida pelo seu portador não é exclusivamente determinada pela condição física, sendo diretamente agravada ou minimizada de acordo com variáveis do contexto social e econômico onde este indivíduo esteja inserido.
Dados do censo demográfico brasileiro do ano 2000 indicam que 24,6 milhões de brasileiros se reconhecem como portando algum tipo de deficiência, o que à época equivalia a 14,5% da população nacional.
Em relação aos dados mundiais, a Organização das Nações Unidas estimava no ano de 2008, que cerca de 600 milhões de pessoas eram portadores de alguma necessidade especial.
Estes dados indicam a relevância de estudos sobre como realizar um processo de atenção à saúde para este segmento populacional, considerando a sua representatividade, bem como o fato de que com o aumento da longevidade da população, haverá igualmente um crescimento de demanda por atendimento a pessoas com estas características diferenciais.
No passado, o atendimento aos portadores de necessidades especiais (pne) era restrito ao seu afastamento do convívio social, restringindo-se a ações assistencialistas, desenvolvidas basicamente por instituições filantrópicas.
A visão da sociedade representada pelo Estado em relação ao portador de necessidades especiais determina as políticas públicas a este destinadas, bem como reflete que tipo de inserção social esta pessoa terá acesso ou precisará reinvidicá-lo, em função de discriminações ou restrições causados pelo desconhecimento e preconceito.
Se analisarmos a legislação brasileira, fica evidenciado este noção, pois o Decreto 3.298/99 estabelecia como deficiência: " toda perda de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano,"
Observa-se que a noção de anormalidade está subjacente neste conceito, podendo isto ser considerado uma expressão preconceituosa, que foi corrigida no Decreto nº 3.956/01 citado à inicial.
Dentre os princípios doutrinários do Sistema Único de Saúde destaca-se em relação a este tema o da equidade, que estabelece o maior aporte de recursos e ações direcionados à população com necessidades mais agravadas, estando neste processo, em consequência os portadores de necessidades especiais.
A busca de uma maior inserção social e laboral dos portadores de necessidades especiais caminha de forma diretamente proporcional aos avanços científicos, que permitem diminuir as dificuldades destas pessoas em participarem do mundo dos ditos "normais", com eficiência próxima a que estes outros indivíduos alcançam.
As pesquisas no desenvolvimento de órteses e próteses se inserem neste processo, fazendo com que a vida do deficiente físico ou sensorial se torne menos afetada pela sua limitação de função, que passa a ser superada por estes equipamentos.

Órtese -aparelhagem destinada a suprir ou corrigir alteração morfológica de um órgão, de um membro ou segmento do mesmo, ou a deficiência de uma função.


Prótese - aparelho ou dispositivo destinado a substituir um órgão, um membro ou uma parte do membro destruído ou gravemente comprometido.


Uma instituição brasileira, que é referência mundial nesta área, é a AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), que tem diversos hospitais, e fornece para os deficientes meios para se reabilitarem. Uma parceria importante dela é a com o SBT, por meio do Teleton, um evento que reuni as estrelas da TV brasileira em prol desta nobre causa.


Ao se abordar deficiências, a maioria das pessoas pensa em cadeirantes, cegos, surdos e mudos. Pessoas que apresentam algum desses "problemas" têm várias dificuldades, mas não era para sofrerem tanto. Por lei, todos os locais públicos deveriam ter rampas para facilitar o acesso de cadeiras-de-roda, elevadores para se transitar, mudanças simples, que, muitas vezes, nem existem. Vários livros já foram traduzidos para Braille, mas não são disponibilizados para os estudantes cegos, escolas devem oferecer tutores que saibam libra, para que estudantes surdos e mudos possam se comunicar com o restante da sala e com os professores.
Todos os estabelecimentos comerciais devem, também, ter vagas reservadas, para o estacionamento destes cadeirantes. Esta, talvez, seja a determinação legal mais bem cumprida, no entanto, não há fiscalização. Então, apesar das vagas existirem, muitos deficientes não podem usá-las, pois estão ocupadas por carros de pessoas que poderiam se deslocar mais, mas sempre tem uma desculpa: "é rapidinho", "tem uma vaga pra deficientes livre ao lado".


Hoje, praticamente apenas as campanhas publicitárias estatais na televisão apresentam uma intérprete em um pequeno quadradinho na tela para facilitar o entendimento dos surdos. Mas todas as propagandas deveriam apresentar, ou uma intérprete ou legendas (que muitas vezes são muito rápidas e não ajudam em nada).
Não existem ônibus adaptados em todas as rotas e nem todos os cardápios de restaurante e botões de elevador apresentam a codificação em braille para cegos. São, como já dito, mudanças facilmente realizáveis, que irão ajudar os PNEs a se sentirem mais humanos, em condições de igualdade com as outras pessoas.

Um debate que sempre surge ao se falar de deficientes é: Superproteção X Autonomia.
Apesar de todas as limitações, os PNEs querem ter sua autonomia, poder ter um emprego, auto-sustentar-se, poderem ir e vir, a hora que quiserem, visitar os mesmos locais que qualquer pessoa. Mas os entes queridos, sejam familiares ou amigos, limitam muito os deficientes, querendo protegê-los e facilitar sua já dificultada vida, eles acabam por não ajudar em nada. Pois mimam eles, fazem tudo para eles, e não os prepara para o mundo.

Outro ponto controverso é a diferença de aceitação popular dos deficientes físicos e mentais. Os primeiros são alvo de pena, e, na maioria das vezes, recebem ajudas: alguém que lê um texto, ou ajuda um cego a atravessar a rua. Empurra a cadeira-de-rodas.
Já os deficientes mentais são alvo de medo e preconceito, são tachados de loucos e julgados incapazes, mesmo antes de terem uma chance.


Fica a reflexão!!


Algumas pessoas famosas que ajudaram a diminuir os preconceitos, e aumentar a aceitação das pessoas em relação aos problemas:

Lars Grael: Experiente velejador brasileiro, que perdeu uma perna num acidente com uma lancha, e, desde então, participou de diversas competições tanto para deficientes quanto para não-deficientes, provando que aquilo não era um fator limitante pra ele, e servindo de exemplo para muitos.


Christopher Reeve: Famoso ator americano, consagrado no papel de Super-homem, após acidente quando montava o cavalo, ficou tetraplégico, mas nunca perdeu a vontade de viver, tornando-se até sua morte, uma das vozes forte em favor das pesquisas com células-tronco.





















Stevie Wonder: Famoso cantor e compositor americano, que ficou cego devido a um tratamento realizado logo após seu nascimento, aos 11 anos já tinha contrato assinado com uma gravadora, e é o músico masculino com maior número de Grammys da história (25).





Poderia-se citar diversos outros, mas estes poucos exemplos já nos mostram como é possível superar todas as barreiras, apesar das limitações geradas pela deficiência! Que sirvam de exemplo!

Referências:
Bernardes, L.; Maior, I.; Spezia, C.; Araújo, T. Pessoas com deficiência e políticas de saúde no Brasil: Reflexões Bioéticas. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 01, p.31-38, 2009.

Políticas Públicas e o Aborto

Um tema de suma importância e que é muito debatido na atualidade é o ABORTO. Essa prática de intervir na gravidez de uma mulher e retirar a vida do feto que ali se desenvolve é visto, por algumas pessoas, como um direito e, por outras pessoas, como algo inaceitável. Ou seja, é um dos temas de saúde pública mais polêmicos e contraditórios na atualidade. A verdade é que, atualmente, no Brasil, o aborto é considerado, pelo o Código Penal Brasileiro, como um crime, exceto em duas situações: de estupro e de risco à vida materna. Assim é considerado, pois o Estado deve garantir a vida e, por isso, protege legalmente os nascituros. Porém, todos nós sabemos que essa prática continua a ser diariamente executada e os envolvidos permanecem impunes.

Milhares dos abortos que acontecem anualmente precisam ser feitos em clínicas clandestinas, pois os procedimentos "seguros" (em tese, realizados por indivíduos com habilidades necessárias e/ou ambiente acima dos padrões médicos exigidos) são muito caros, muitas vezes inacessíveis a grande parcela da população. Conclui-se, portanto, que a proibição do aborto, de fato, afeta as mulheres pobres dos países pobres: quem tem dinheiro faz o aborto com um médico e de maneira segura, quem não tem parte para uma clínica "de fundo de quintal" ou, pior, parte para a auto-agressão. Como no Brasil isso representa uma grande quantidade de pessoas, o aborto se tornou ponto importantíssimo na discussão sobre saúde pública. Inclusive a atual presidente da República, Dilma Rousseff, disse certa vez, em sua campanha à presidência, que não se trata de uma questão de fórum íntimo, mas sim de saúde pública" .

Segundo Grimes et al. (2006), ocorrem, todos os anos, cerca de 20 milhões de abortos inseguros no mundo e, aproximadamente, 97% desses são praticados clandestinamente, o que põe em perigo a vida da mãe. O Ministério da Saúde estima que, no Brasil, o número de abortos gira em torno de 1,25 milhões anuais. O obstetra da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Osmar Ribeiro Colas, diz que, à nivel mundial, 500 pessoas morrem POR DIA devido a práticas abortivas. Esses são apenas alguns números que ilustram a magnitude dessa prática, não só no âmbito nacional, mas também, mundial.

Grimes, e alguns outros pesquisadores da área, estimam que 20% a 50% das mulheres submetidas a abortos clandestinos acabam hospitalizadas em conseqüência de complicações de tal prática, como hemorragia, infecção, envenenamento, entre outros. Isso sobrecarrega e onera o sistema público de saúde, pois é o Governo quem arca com os custos de mão-de-obra, materiais/equipamentos, medicações, transfusões, cirurgias, etc. Em 2005, foram estimados 1.045.243 abortos induzidos no Brasil (Ministério da Saúde, 2005). Nesse mesmo ano, 250.447 mulheres foram internadas no SUS com diagnóstico de aborto, representando um gasto de R$39.531.930,46 (DATASUS, 2007). Alguns mais radicais dizem que esses gastos do governo para "corrigir besteiras" feitas por clínicas clandestinas supera o que o Estado gastaria caso realizasse abortos oficialmente. Todos esses dados mostram que a proibição legal, o acesso a métodos contraceptivos e o constrangimento por parte das organizações religiosas não coibem, de fato, a prática de aborto no Brasil, mas sim dá espaço a práticas clandestinas/inseguras e gera uma prejuízo enorme, direta ou indiretamenta, à economia nacional.

Os grupos pró-abortistas defendem que a mulher tem direito sobre o próprio corpo e, por isso, podem escolher se querem, ou não, prosseguir com aquela gravidez. Eles dizem que lidar NOVE MESES com um feto indesejado representa um martírio à qualquer mulher sã. Podemos perceber que esses não saem em defesa da banalização do aborto e do intenso incentivo à essa prática. O que eles tentam incutir nas cabeças dos anti-abortistas é que "se você é contra o aborto, não o faça! Mas deixe que eu que sou a favor, faça". Essa posição foi levantada pela ex-candidata à presidência da República, Marina Silva (PV), quando disse, em campanha: "Sou pessoalmente contra, mas não julgo quem o faz". Esses grupos tentam retirar a imagem suja da mulher abortista, como aquela mulher homicida, que não tem amor à vida, que não tem conhecimento e/ou não usa métodos contraceptivos

Os grupos contrários ao aborto se apóiam, principalmente, em aspectos morais e religiosos. A Igreja Católica é o maior ícone anti-abortista (inclusive nas situações atualmente permitidas), pois defende e luta pelo direito que as pessoas têm à vida. À grosso modo, eles defendem que não existe diferença entre um assassino cometer um homicídio contra um adulto e uma mãe tirar a vida de um feto: é homicídio do mesmo jeito e, por isso, precisa ser recriminado. O bispo Antonio Augusto Dias Duarte, da Comissão de Vida e Família da Conferência Nacional de Bispos Brasileiros (CNBB) diz que "a vida humana é o maior direito que existe" e que ninguém, nem mesmo a mãe, tem o direito de retirá-la senão Deus.

Meu objetivo, nesse texto, não é emitir minha opinião pró- ou anti-abortista. Deixo esquecido tanto o meu lado mais religioso, quanto o meu lado mais feminista. O que quero passar aos leitores é que o aborto é, SIM, uma questão de saúde pública. Representada pelos parlamentares, a população precisa se pronunciar se é contra ou a favor dessas práticas. Vários aspectos devem ser levados em conta em todas as decisões, para que essas não sejam tomadas de maneira antecipada e errônea. EUA, Canadá e todos os países da Euroa (com exceção da Polônia) permitem que abortos sejam realizados, pois julgaram que essa decisão é a melhor para a população e para o próprio governo. Espero que o nosso país também seja capaz de reavaliar a atual situação e decidir, da melhor maneira, o futuro do aborto no Brasil.